A Poesia Social
Ler Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Ver em suas poesias a arte produzindo mais do que preocupações estéticas, ver um mundo social repleto de fraturas e de ordenamentos; costumes e modos de ação que beiram a insensatez ou a prudência quase santificada. A poesia tem esse poder, ela é uma representação do mundo. Sua narrativa independe de comprovação documental, como fazem os historiadores, mas nela o mundo se revela inteiramente nas suas feições mais permanentes, com as marcas dos contextos em que foi criada, em forma de reflexões, anseios e paixões. A poesia, mais do que qualquer outra expressão narrativa, consegue iluminar, com intensidade, alegrias, tristezas ou esperanças, sentimentos surgidos no cotidiano da vida dos homens em ação. O poeta Carlos Drummond de Andrade, nascido em Itabira – Minas Gerais, soube, em seus poemas, revelar a alma nacional, aquelas emoções maiores, entre prazer e dor, formadas nesse universo de interesses de uma nação em desenvolvimento: Alguns anos vivi em Itabira Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro... Drummond viveu sua juventude bem no centro das efervescentes mudanças literárias e artísticas da Europa. Havia um modo de expressão tradicional em que os temas se baseavam na realidade e eram deixados de lado o subjetivismo e a emoção. Nesse modelo, a poesia era valorizada por sua beleza própria, deveria ser perfeita do ponto de vista estético. O Brasil de Drummond sofre toda essa influência intelectual europeia, que teve força até metade do século XX. A rebeldia nacional a essa influência amplia-se na exaltação ao culto à liberdade das palavras e se afirma de vez com o movimento modernista de 1922 (Semana de Arte Moderna). Drummond fez parte desse momento de modernização da estética nacional e logo se mostra à vontade para utilizar valores anteriores de preservação de raízes brasileiras e de abandonar a métrica tão bem acolhida por outro gênio, Olavo Bilac (1865-1918), como se pode ler em seu poema “Língua Portuguesa”: Última flor do Lácio, inculta e bela, És, há um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... A métrica tão evidente em Bilac já não é perseguida em Carlos Drummond de Andrade. Um exemplo é seu “Poema de sete Faces”: Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Nessa liberdade conquistada auscultando as tendências sociais de um mundo em ebulição, Drummond, em seu poema “Mãos Dadas”, decide: “o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. Nascia dessa afirmação o compromisso ético e poético com aqueles momentos históricos dos anos 30 e 40 do século XX: Guerra civil espanhola, os embates ideológicos entre comunistas e nazifascistas, o início da Segunda Guerra Mundial, a urbanização brasileira e o enfraquecimento da predominância do poder rural: Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças... Essa esperança de Drummond, ao atestar seu reconhecimento do fatal distanciamento entre os homens, é uma forma de acreditar na possibilidade de um bem-estar social para todos nós, bastando fazer uso inteligente dos materiais do “tempo presente”, por isso o grito final de seu poema “Mundo Grande”: “— Ó vida futura! nós te criaremos”. Essa confiança utópica fortalece o olhar livre de Drummond, representa um pensamento voltado para a construção do futuro e sugere a necessidade da tomada de cuidados especiais na caminhada: “No meio do caminho tinha uma pedra/ tinha uma pedra no meio do caminho/ [...] Nunca me esquecerei desse acontecimento [...]/ tinha uma pedra...”. Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 20/08/2018
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