Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

A Modernidade e a Individualização
 
Estar em sociedade, em grupos menores ou maiores, essa é uma das condições encontradas para o homem viver.
Na tradição bíblica, em Gênese 2-18, lemos que [...] não é bom que o homem esteja só [...]. Entre os gregos antigos, Aristóteles (384-322 a.C.) já fundamentava sua tese de que [...] o homem é um animal social [...], entendendo que a união entre os homens é natural, porquanto somos um ser que necessita de coisas e de outras pessoas para alcançar a sua plenitude. O filósofo italiano Nicola Abbagnano (1901-1990), referindo-se ao olhar escolástico sobre o indivíduo medieval, afirma: [...] o simples indivíduo não pode nem deve basear-se apenas nas suas forças, mas pode e deve recorrer à ajuda dos outros [...]. Iniciando a época Moderna, Thomas Hobbes (1588-1679) vai dizer que [...] a razão levou os homens a concluir que viver em comunidade é mais favorável ao seu próprio desenvolvimento [...], para isso cada indivíduo deve renunciar em parte a sua liberdade a favor de um Estado suficientemente forte para garantir a preservação da vida. Dentro ainda da Idade Moderna, já numa fase mais avançada no tempo, o filósofo alemão Hegel (1770-1831) sentencia que
 
[...] Toda ação humana é movida por interesses dirigidos à obtensão de bens específicos [...] essas ações dão origem à Sociedade Civil... contudo, ninguém pode satisfazer sozinho, mediante seu próprio trabalho, todas as suas necessidades [...].
 
Conclusão. Existir é viver em sociedade, mas o indivíduo existe.
Dentro do mundo Moderno (século XV ao século XVIII), havia uma individualização secundária, o ser humano era considerado um ser universal, livre e igual em toda parte. Seu ideal seria liberdade e igualdade. Somente a partir do século XIX, [...] o individualismo é compreendido como único, distinto e específico, conforme teoriza o sociólogo alemão Georg Simmel (1858-1918). Aqui se acentua a distinção e a diferença, criando uma espécie de momento negativo em que o desenvolvimento histórico promove uma dissolução das relações afetivas, substituindo essa afetividade pela posse de riquezas, de dinheiro.
O dinheiro permite uma aproximação entre diversas pessoas, mas ele é um dado que une e afasta. Afasta porque a relação social estabelecida por meio do dinheiro é meramente instrumental, não cria vínculos duradouros e afetivos, pois seu fundamento é o ganho material, o ter substituindo a importância do ser. O homem vale pelo que tem e menos pelo que ele é.
É preciso acentuar que o indivíduo existe e é aquele que de certo modo consegue uma margem de liberdade de ação, margem que somente passou acontecer na modernidade como conquista da sociedade. Conquista recente, há 5 séculos. Recente, a considerar os 400 séculos de existência do homem na Terra, contando a partir de um momento em que esse homem já apresentava certo grau de destreza mental.
Cedo assim, apenas 5 séculos, e aqui estamos nós todos sendo [...] donos de nossos destinos [...], para usar a expressão de Maquiavel (1469-1527). Por isso mesmo, cedo assim, ainda estamos apreendendo a ser livre, ainda estamos nos acostumando a ser indivíduo, a ser donos de nossos destinos. Indivíduos presos a uma teia social, com suas feições éticas e culturais.
O problema é que, em nossa teimosia e inconsciência, estamos radicalizando nossa individualidade, apagando de nossas considerações todas as experiências que foram construídas antes e que se fizeram pilares de sustentação de dignidades, onde o outro era reconhecido e acolhido e era fonte de sustentação afetiva. A família já representou bem esse modo de ser da sociedade. Esse modelo está se dissolvendo.
Enfraquecer o valor das experiências anteriores é apagar raízes, isto é, é fragilizar a individualidade ao remeter a ação para uma aventura de risco, porque construída sem alicerces. Vale aqui, lembrar-se das ponderações do filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940), ao criticar o olhar vazio, sem vínculo com a realidade em desenvolvimento no mundo moderno: A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”. Ou seja, a ação deve ser sempre um ato pensado previamente, a não ser que se queira caminhar sem rumo como quis Alice no País das Maravilhas:

Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
Isso depende muito de para onde queres ir — respondeu o gato. Preocupa-me pouco aonde ir — disse Alice. Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas — replicou o gato. (Lewis Carrol)
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 21/08/2018
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