Ambiguidade
Rimar amor e dor. Há um texto poético de Caetano Veloso – Mora na Filosofia - que nos remete a um questionamento saudável, por nos alertar que vivemos e temos de procurar compreender as contraposições construídas por nós mesmos no curso de nossa existência: “Pra que rimar amor e dor”. Estamos ante uma ambiguidade. Lembrar que o amor é uma alegria e a dor é uma tristeza. Neste texto de Caetano, não há uma rima, mas uma resposta a uma desolação. Aqui a lucidez poética não problematiza, pacifica a angústia, como a garantir que o amor é suficiente para compreender e suportar a dor.
A ambiguidade comparece na vida porque o sentimento de amor, isto é, a alegria parece ser um fenômeno episódico. Parece, mas, não é bem assim, ao que se pode perceber é que o esforço que se faz para o bem viver, individual e social, é um sinal de confiança dos instantes melhores à frente, ou seja, a alegria é o fundamento da ação, a alegria é conteúdo da esperança. Importa dizer que os embaraços que causam algum tipo de tristeza, de dor, de desânimo, esses embaraços indicam, tão somente, que há ajustes a se realizar na vida individual e social. Em verdade, não é a tristeza que domina vida, é o ânimo sustentado na esperança da vitória que faz a vida ser busca. Neste conteúdo de esperança da vitória, é fácil de se enxergar um modo de alegria no estímulo da ação, independentemente da presença de impedimentos, de dores. Assumindo essa consciência, as dores podem ser uma experiência transformadora de alargamento dos horizontes, porque é preciso tomar essas dores como impedimentos a serem compreendidos e domados. É nesse sentido que a dor e a alegria são coautores da vida. A dor e alegria são forças. A alegria é uma força ativa, potência que faz a vida almejar esplendores. A dor é uma força reativa, a frear o esforço da busca esperançosa da vida saudável. Estamos ante uma ambiguidade que precisa ser compreendida: amor e dor. O amor e a dor são sentimentos que compõem a vida com tudo que ela oferece. Acolher a alegria é uma manifestação de compromisso de manter-se ativo enquanto existência. Acolher a dor é aceitação que não se confunde com resignação. É o reconhecimento de que estamos num processo permanente de realização da própria vida. É nesse sentido que o psicanalista Freud (1856-1939) afirma: “Estamos organizados de tal modo que somente podemos gozar com intensidade e contraste e muito pouco de um estado”. Essa é a nossa prisão: a ambiguidade. Na vida não há estado zero de tensão.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 04/04/2020
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |