Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

Cotidianidade (I)
A poesia é um documento. É um dado da cotidianidade social. Um documento é vestígio de um processo social oculto num dado fenômeno. Aqui o fenômeno posto é a poesia.
Frente a uma poesia, queremos dela não somente sua mensagem, que fala de encantos emocionantes, que nos leva do riso ao choro, da paciente espera ao ímpeto da busca; como documento que é de um tempo, queremos mais do que o ritmo, a ordem das palavras que se complementam e se contrapõem, deseja-se encontrar nela as razões iniciais, a gênese que fez a poesia surgir.
Acolher a poesia como documento é reconhecer na criação poética certas necessidades de representação do mundo, tecidas em imagens socialmente condicionadas, embora iludidas no ato da linguagem que dissimula a realidade.
É exatamente nesse ponto, em que o mundo vivido é dissimulado na poesia, é aí que há necessidade da reflexão, do esforço interpretativo, o que possibilitará a recuperação da intencionalidade do tempo humano presente na poesia, desvelado na linguagem poética filtrada pelo autor. Eis a alma da poesia. Eis o cotidiano desenhado na poética. Interrogada, a poesia deixa revelar sua inserção no movimento da sociedade e antes mesmo de ser versos, estrofes e rimas, ela é vontade geral da determinação de um tempo anterior cheio de intencionalidades. Um exemplo?
ergo minha bandeira vazia e liberto-me de mim:
(eis aqui a maior conquista que já tive na vida)
percebo que nada mais brilha como antes
e descubro que conhecer é desaprender antigas cartilhas
sem precisar olhar para trás nem decifrar
longas maçantes e decrépitas redondilhas
(Zumaeta Costa – Poesia um dia-pássaro)

Eis a memória adulta de Zumaeta que teima em não ser mais aquilo que um dia foi. Abstraindo-se do passado vivido, o Poeta desaloja da consciência a força que iluminava e agora já não brilha.
O texto propõe análise de relações. O passado, transformado em lembranças, que não é um tempo perdido, mas, também, ele não é mais desejado. Esse passado está inserido em cada pessoa, na individualidade dos encantos e desencantos vividos, reificado nas possibilidades do tempo presente, enlaçado agora nas esperanças de um mundo novo, completo de novas luzes, no que faz o Poeta rejeitar as longas maçantes e decrépitas redondilhas, numa metáfora que diz de um mundo novo a se criar e a se viver.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 07/04/2020
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