Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

Espanto
No início, o espanto.
Na sequência, as interrogações da dúvida. Quando acontece o início? O início acontece toda vez que o olhar ou o desejo se inquieta com o horizonte ou com o presente e passa a querer mais do que existe, como a tentar saber da imensidão à frente.
Reconhecendo que estamos ante a uma imensidão, a certeza que aparece é categórica, é a certeza de um desconhecimento profundo sobre a composição da vida e do mundo. Há muito mais a se conhecer do que alcança nossa capacidade de reconhecimento. É dessa capacidade limitada que advém as interrogações da dúvida. Ter essa consciência é se saber viajante do tempo, a navegar incessantemente na direção ao desconhecido.
A grandiosidade de nosso desconhecimento, no entanto, em lugar de inibir a ação de querer conhecer, ela estimula o desejo de saber mais. É nesse exercício de busca que o conhecimento se desenvolve, para logo, em nova interrogação, buscar o novo à frente, em espanto permanente. O espanto é uma das feições da especulação, esse princípio que põe o repouso em movimento, ao não se contentar com aquilo que se contempla, aventurando-se a novas realizações, compondo novas idealizações.
O espanto que nos retira da simples contemplação, indispõe-se com a ideia de que a vida habita somente na imaginação, fosse assim, ela (a vida) seria meramente ilusória, não passaria de uma expressão verbal, mundo alegórico somente sentido e vivido pelos poetas. Um exemplo é esse verso da poesia O Guardador de Rebanhos, de Fernando Pessoa (1888-1935):
“Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.”

Pois que se saiba, a vida é um dado plural. Sua existência só é possível porque é parte dessa teia complexa de tudo que há, que se conhece e que se desconhece. O espanto, ao funcionar como uma ferramenta intuitiva, é a primeira janela que se abre à racionalidade, é o primeiro pensamento que nos retira da comodidade passiva ante o mundo e nos faz ser ativo, como nos ensina, de modo imperativo, Maquiavel (1469-1527), em O Príncipe: “Somos donos de nossos destinos.”
Estamos no mundo, somos mundo, e de espanto em espanto, estamos a construir a vida e sua grandeza, e quantos encantos e desencantos vivemos! Seria o espanto uma alegria em flor? Uma potência de vida em embrião?
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 12/04/2020
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