Poesia
Nesta noite, queria eu, tão somente, ler algumas poesias de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e adormecer, mas eis que, sem pedir licença, a lembrança de uma pequena afirmação de Paul Ricoeur (1913-2005), de seu livro Da Interpretação, me manteve acordado por horas: “Onde quer que um homem sonhe, profetize ou poetize, outro se ergue para interpretar.” Estimulado pelo pensador Ricoeur, deixei a imaginação fluir. A poesia é uma forma de ver a vida, de sentir com intensidade o mundo que nos envolve na sua dimensão de cores e sons, de risos e choros. A poesia tem mesmo esse poder vigoroso de nos fazer perceber os encantos e desencantos, de nos fazer enxergar para além dos horizontes das ciências e das filosofias, pois ela (a poesia) tem o dom de ver o invisível, “[...] uma espécie de extra sentido que descobre o acesso a um mundo normalmente proibido aos mortais”, como afirmou o historiador e antropólogo francês Jean-Pierre Vernant (1914-2007). Portadora dessa graça de perceber toda essa sinfonia da vida, a poesia se aproxima da fonte inconsciente do pensamento e entra no território da intuição, morada dos sonhos e da construção de nossas utopias, espaço da fantasia, da elaboração das doces imagens que se produzem em nós. Com a poesia, o mundo se deixa revelar em sua plenitude, porque, sendo imaginação, a poesia é luz (phaos, em grego). A imaginação em grego é fantasia, originária do radical grego phaos, luz. Sem luz é impossível ver, a poesia é luz que ilumina o olhar. É nesse sentido que o filósofo Hegel (1770–1831) declarou que [...] A poesia é o luzir sensível da Ideia. A luminosidade produzida pela poesia vezes ofusca a vista do leitor, em face da vida tão pragmática, tão utilitarista em que vivemos. Esse modo de vida impede de se fixar um olhar mais atencioso aos valores de nossos sonhos e de nossas fantasias, no que se perde o deleite dos encantos que a leitura de um poema proporciona à alma. Nesse ato de ler interessado acontece a reificação, aquele processo em que uma imagem se torna típica de uma realidade objetiva. O sonhador e o sonho atravessam o portal da fantasia e se estabelece no cotidiano histórico, após o sono. É como se a poesia inspirasse um modelo de ação comprometido com a prudência, nessa busca do aperfeiçoamento do homem.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 24/04/2022
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