Antonio Pereira Sousa

"Aprendi novas palavras e tornei outras mais belas." (Carlos Drummond de Andrade)

Textos

Repouso

Recanto lembra retiro, lugar de chegada e de se ocultar, mas não de se esconder. De repente, ao revés do cotidiano vivido no coletivo, o corpo se ressente de um momento de individualidade, a pressentir a necessidade de um descanso físico, dando a margem a uma calma para uma reflexão sobre si mesmo. Nesse gesto que induz certa concentração, a alma pede um espaço para se espiar, olhar a si mesma e revigorar-se, retirando-se, momentaneamente, do tumulto da vida ativa. A alma, assim, demanda um canto, um espaço de repouso fora do olhar coletivo, mas dentro de um outro universo, o do pensamento.
É nesse repouso, dentro do universo de reflexões que interrogamos quem somos nós e o que estamos a fazer neste mundo. Esse questionamento vem de longe, de longe, também, apresentaram-se tentativas de resposta. No mundo grego clássico, entre os séculos VI e IV a.C., foi apontado um caminho na direção de uma resposta: “Conhece-te a ti mesmo.” Esse aforismo está inscrito na entrada do templo de Delfos, construído em honra a Apolo, o deus grego do sol, da beleza e da harmonia. A expressão completa é: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo.” O repouso não é uma fuga dessa busca, é um estímulo que funciona como plataforma para o impulso do conhecimento que começa a se instituir como fundamento e se abre à ação.  
A potência do repouso é reveladora, ao dizer da existência de um eu que é infinito em si, que não se permite imobilizar-se, porque necessita buscar sempre para impedir a cristalização, a interromper a sucessão, a transcorrência da vida. Revestido de conhecimento, um dos estímulos dessa busca, é o prazer, a alegria, um dado de beleza que nos permite enfrentar as tragédias, o que transforma desesperos em sensatez, ao desvelar riquezas, horizontes novos, moradas dos deuses, lugares de repouso.
O que, então, parece ser um dos sentidos para a vida é produzir belezas, é viver para criar momentos de alegria. Não apenas criar, mas esforçar-se para espalhar alegrias. Há um exemplo bíblico que concorda com a importância dessa ideia de expansão de alegrias: E disse-lhes: “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” – Marcos 16,15.
Nessa oferta do repouso para conhecer, em que a alegria é fundamento, António Mora (um dos heterônimos de Fernando Pessoa -1888-1935), oferta-nos a chave: “A Beleza não existe. É um modo de repouso do espírito.” Repousar é possibilitar a criação de belezas, é se permitir conhecer feições da plenitude.
Antonio Pereira Sousa
Enviado por Antonio Pereira Sousa em 14/06/2022
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras